quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Um Ninjinha do Barulho

Há muito, muito tempo atrás, lá nos anos 90, a cena gamística não era dominada por caras mal-encarados, cenários monocromáticos e minigames de sacudir controle como hoje.Não, nessa época, as "gimmicks" eram outras, e o que estava realmente na moda eram bichinhos antropomórficos cheios de uma certa "atitude" característica dessa época.O gênero dos mascotes, como eram chamados, redeu ao mundos jogos realmente bons, como os da Sonic e Ristar, mas também renderam babas das quais hoje pouca gente se lembra, como Bubsy e Aero the Acrobat.Pois então, lá pelos idos de 1998, quando parecia que a moda dos mascotes estava passando para dar lugar á moda dos protagonistas andróginos e misantropos, uma certa empresa resolveu pegar o bonde, e fazer com a sua assinatura típica, um autêntico jogo de mascotes (mesmo sendo ela a principal responsável por essa mudança).


Brave Fencer Musashi foi lançado para o Playstation em 1998 pela Squaresoft, e se faz diferente da maioria dos jogos lançados pela empresa por não ser um RPG tradicional.Tá, não é a primeira vez que o povo da Quadrado-Macio faz isso, e até porque, o jogo não está tão afastado assim das convenções do gênero.Na verdade, Musashi é uma mistura de RPG com plataforma com ação com aventura, uma dessas misturebas típicas da indústria de jogos, que ás vezes resulta num prato indigesto.Felizmente, esse não é o caso aqui, pelo menos na maioria das vezes.O jogo conta à história do ninjinha/samurai (perdoe a minha ignorância á respeito da cultura oriental) Musashi, que é invocado por uma princesinha mimada e sua corte de desajustados (que incluí um senhorzinho de uns 200 anos e um bibliotecário afeminado), para combater o império do mal de Thirstquencher de invadir o pacífico reino de Allucaneet, e parar de aprisionar seus igualmente pacíficos habitantes em cristais de um mineral fictício boladão denominado Binchotite.A princesinha patricinha esperava invocar o nobre guerreiro que havia derrotado o Mago das Trevas há anos, mas ao invés disso, acaba invocando um garotinho pentelho.


Se a história parece um pouco boba, é porque você a está levando a sério demais.Se a dublagem tosca, mas nem por isso menos engraçada, já não denuncia, o jogo adota um feeling meio "Sessão da Tarde", meio "muita confusão", invocando a citada estética dos mascotes, o que se pode perceber no design dos personagens e nos diálogos adoravelmente bobos.Quer dizer, sendo um jogo de plataforma (gênero em que os mascotes predominam), talvez essa é a decisão estética mais adequada.Mas enfim, além de um ou outro "twist" meio absurdo na história, ou a introdução de um novo personagem peculiar (eu fiquei surpreso com a quantidade de personagens que esse jogo tem, visto que eles aparecem pouco durante a aventura), a história transcorre sem maiores surpresas.Uma curiosidade é que o jogo é livremente (e bota livremente nisso) inspirado na vida de Miyamoto Musashi, um famoso espadachim japonês, como se pode perceber na presença do rival dele, Sasaki Kojiro, ou no fato da sua busca envolve achar cinco relíquias místicas (o Musashi de verdade escreveu O Livro dos Cinco Anéis, onde detalha suas técnicas de combate e filosofia).Como se vê, o espadachim é parte do folclore japonês, portanto, um jogo eletrônico feito no Japão onde ele é reinterpretado como um moleque falastrão não é tão estranho quanto se fizessem aqui no Brasil, sei lá, uma pornochanchada sobre Xica da Silva.


Comparações socioculturais á parte, a jogabilidade de Brave Fencer Musashi é bastante sólida na sua combinação de estilos.Um dos destaques do jogo são as muitas habilidades que Musashi vai adquirindo ao longo da jornada.Além de começar com um ataque fraco e um forte (representando as duas espadas diferentes que ele carrega, Fusion e Lumina) e a óbvia habilidade de pular, o fedelho tem a habilidade de absorver poderes dos inimigos (no melhor estilo Kirby) lhes arremessando a espada Fusion, fazendo um barulhinho que um amigo meu apelidou distintamente de "Pichuon".Cada inimigo fornece a ele uma habilidade diferente, que vão desde poder atirar balas psíquicas e saltitar fazendo a espada de pula-pula até se transformar em metal e atirar mísseis teleguiados.Com o prosseguimento da história, Musashi vai encontrando "scrolls" (que na verdade pouco tem a ver com pergaminhos, mas a culpa é da tradução, não minha) que também lhe conferem habilidades, essas mais relacionadas á exploração do cenário do que combate, como causar impacto no chão para derrubar pedras, soltar fogo para acender tochas e até caminhar sobre a água.A ainda há peças de uma certa "Legendary Armor" para serem encontrados, cada uma conferindo, naturalmente, uma nova habilidade á Musashi, como poder escalar paredes e o indispensável pulo duplo.


Apesar disso, o jogo não faz tanto uso das múltiplas possibilidades que essas habilidades concedem.A primeira fase do jogo, que apresenta um caminho linear cheio de inimigos, pulos e o eventual puzzle, pode enganar o jogador, o fazendo pensar que é um jogo estruturado em fases.Na verdade, logo acabando essa etapa introdutória, o jovem Musashinho é levado á uma vila, e passará a maior parte do jogo explorando ela e seus arredores, e realizando missões para seus habitantes.Isso configura um mundo bastante pequeno para explorar, com as novas áreas que são liberadas ao longo do jogo todas sendo muito próximas da vila, o que acaba constituindo uma experiência linear.Mesmo assim, o jogo apresenta variedade nas missões e desafios propostos, com direito á alguns minigames para quebrar a monotonia (como um completamente inesperado minigame de dança no final do jogo), com seções de plataforma criativas e surpreendentemente desafiadoras.O problema é que, talvez com a intenção de prolongar artificialmente a longevidade do título, o jogo tem a mania irritante de forçar a rejogar certar seções, com poucas ou muitas vezes nenhuma alterações.O que é uma pena, pois as etapas onde surgem desafios novos são muito bacanas, fazendo uso das muitas habilidades do versátil pivete.


Além dos elementos de plataforma já citados, Brave Fencer Musashi também tem leves elementos de RPG.Leia-se:números pipocam quando você acerta seus inimigos.Musashi tem quatro atributos básicos, mas estes atributos não são elevados ao derrotar inimigos e ganhar pontos de experiência, e sim cada um é elevado de uma maneira particular, seja atacando os inimigos com as duas espadas ou simplesmente andando por aí.O personagem também tem uma barra de energia e uma de mana (aqui denominada "Bincho Points", gastos ao usar as habilidades absorvidas dos inimigos), mas elas também são evoluídas de modos igualmente arbitrários:os Bincho Points aumentam ao libertar as pessoas presas nos cristais, e a energia é aumentada ao achar criaturinhas estranhas chamadas Minku, que só aparecem em determinados locais e em determinadas horas.Como os cristais aparecem com mais frequência que os Minkus, a tendência ao final do jogo é haver uma certa disparidade entre os dois atributos(A menos que o jogador seja obsessivo por sidequests).E falando em determinadas horas, o jogo também tem um sistema de dia e noite, que provoca algumas mudanças no cenário (a iluminação e a trilha sonora muda de acordo com o horário, o que devia ser bem bacana há dez anos atrás) e as lojas da vila fecharem.Apesar de alguns eventos só acontecerem em determinados horários, não é o suficiente para tirar desse sistema de dia e note o aspecto cosmético.Outro detalhe importante é que Musashi precisa descansar entre as suas aventuras, se não irá ficar cambaleando sonolento, o que pode ser feito na estalagem da vila ou no castelo de Allucaneet.Tal e qual como o sistema de horário, esse "fator tamagotchi" também não acrescenta muita coisa, aliás, até atrapalha em certos momentos do jogo.


A duração de Brave Fencer Musashi é um pouco curta, pelo menos em comparação á RPGs típicos, e as sidequets não são lá muito numerosas.Como dito, o ambiente de jogo é meio pequeno, e como o próprio jogo já força o jogador a rejogar certas fases, não sobra muito estímulo para passar de novo pelos mesmo cenário.Fora que, em algumas situações, o jogo simplesmente não informa qual é o próximo lugar para onde ir (mas isso também é um pouco típico dos RPGs nipônicos e seus derivados).A dificuldade também é um pouco desequilibrada, porque algumas seções são moleza, enquanto outras arrancam muita vida sem o jogador nem reparar (malditos poços sem fundo!).È lógico que dá pra se encher de itens de recuperar energia, mas o inventário ás vezes tem pouco espaço para tais itens (ainda mais quando este é ocupado com itens indescartáveis), e algumas etapas realmente forçam a mão na arrancação de HP (como nas-sensacionais!-batalhas contra chefe).E como um comentário completamente irrelacionado com a corrente temática do parágrafo, a trilha sonora de Brave Fencer Musashi é verdadeiramente impressionante, digna de entrar no hall das minhas trilhas favoritas, especialmente se considerando que o jogo podia ser recheado de melodias chatinhas, dado á sua temática.Ao invés disso, o jogo tem uma trilha marcante, cheia de melodias belas e elaboradas (o que é uma marca na maioria dos jogos da Square, verdade seja dita).


Brave Fencer Musashi provavelmente não é um jogo para todos; a apresentação levemente (e intencionalmente) infantil e algumas das mecânicas um pouco datadas podem afastar os jogadores.Mas o jogo tem carisma, boas idéias e referências culturais deslocadas o suficiente para agradar quem gosta de RPGs de ação.O jogo, apesar de não ser muito popular a época (afinal, competia com um jogo um pouco semelhante, chamado Ocarina of Time- e aliás, num exercício de especulação, pode-se argumentar que Brave Fencer Musashi seria o que se teria tornado esse jogo se Zelda 2-The Adventure of Link, tivesse ditado os rumos da série) até recebeu uma sequência para o PS2, mas que não foi lá muito bem recebida pela crítica.Ou seja, o jogo original é melhor.No geral, no Playstation Velho podem existir melhores opções de jogos de RPG, podem existir melhores opções de jogos de plataforma, mas eu duvido que exista uma melhor opção de RPG de plataforma disponível por aí.Em qualquer console.


(Sabe, de vez em quando é bom escrever análises mais curtas e menos filosóficas, só pra dar uma variada...)